O título deste artigo quase foi: "Quem é um verdadeiro viajante?". Esta pergunta venho me fazendo há muito tempo, e depois de conhecer todos os Estados brasileiros, e perto de uma centena de países, tive que recorrer a famosos escritores para obter uma resposta inteligente a esse respeito. No texto que segue estão observações colhidas nos últimos 20 anos, que me chamaram atenção e me fizeram entender o verdadeiro significado desse belo verbo 'viajar'. E foram elas também que me ajudaram a criar minha própria viagem.
Mas, antes de apresentar as citações, destaco que em nenhum momento de seus textos esses escritores exageraram nos adjetivos para definir um lugar e nunca usaram a palavra 'imperdível'. Imperdível para quem? Se me deparo com essa palavra na descrição de um local, para mim já é o fim da linha, porque sei que virá uma sucessão de clichês. O que também me chamou muita atenção nos textos desses escritores foi que, ao descreverem um lugar, eles conheciam muito bem sua geografia e história, e assim deixaram o texto mais humano e interessante.
Começo com a escritora Marguerite Duras, uma contumaz viajante: "Não sei o que é uma viagem. Ninguém sabe, mas sabemos que ela existe. A verdadeira viagem não se encontra, se faz. Sempre procurei fugir das viagens que não são livres. Isso logo se vê na escrita, elas são fabricadas, organizadas, adequadas, eu diria. A viagem sempre me fascinou, ainda me fascina, sobretudo aquelas carregadas de significados. E isso me permitiu ver o mundo através dos meus olhos". Marguerite vai mais longe: "Viajar se consagra na forma de uma liberdade salvadora. Viajar é a vida. Por que não fazer uma viagem do que é desconhecido?".E, por minha conta, acrescento: pois essa vida de viajante levou-me para todos os lados.
Já o escritor Leonard Koren compara o viajante a um artista que cria a partir de um ponto de vista subjetivo: "-Isso é que vejo./ -Isso é que eu ouço./ -Isso é o que eu sinto./ -Isso é o que eu penso./ -É nisso que eu acredito./ -Isso é o que eu questiono./ -Isso que me deixa intrigado./ Isso é o que quero transmitir".
Para ele, "a viagem deve sempre aparecer com uma roupagem nova e imprevisível. A viagem pode ser ruim, boa ou indiferente, mas seja qual o adjetivo empregado, devemos chamá-la de viagem; a viagem ruim, ainda assim, é viagem, da mesma forma que a emoção ruim é ainda emoção. A viagem de hoje pode não lembrar em nada a viagem do passado. Toda e qualquer viagem deve ser feita sem julgamento, sem restrição. Se você realmente quiser diferenciar sua viagem do resto que usa guias de viagens e palpites alheios, toda vez que chegar em uma bifurcação na estrada, não pense qual rumo tomar, escolha o caminho mais difícil. Todo mundo vai para o mais fácil. Os melhores viajantes são originais e obstinados, eles são como uma pedrinha na sopa de ervilha", e reafirma: o suporte definitivo da viagem é a liberdade, e o preço que eles pagam por isso é a responsabilidade".
Agora vou dar um longo salto e cair nas mãos da escritora Wislawa Szyborska, que mesmo com esse nome quase impronunciável foi Nobel de Literatura: "O verdadeiro viajante não é um fenômeno de massa. E a viagem não é uma forma de recreação e uma forma de vida, mas a própria vida. No meu texto, enfatizo o fantástico, o estranho, o mágico, de cada lugar, e aí começo a fincar o pé, e agarro a vida. Depois vou para onde eu quiser, para descobrir a resposta entre a realidade e a imaginação que me levaram até ali". Para a escritora, "o viajante é um personagem em nova encarnação". Mas cuidado, ela não poupa aqueles "que trivializam uma viagem ou tentam transformá-la em elogio próprio. Viajantes que transformam a viagem num ato de voyerismo, e que exploram a viagem como propaganda de si, me fariam dar cambalhotas até na sepultura. A viagem é algo mais - tudo o que está além da mera definição ou categorização. Um voo rumo à vastidão do espaço".
Só a leitura pode ampliar nossa visão de olhar o mundo. Para Philip Roth, "todos são bem-vindos ao relatar suas experiências de viagens, pois os livros abrem o caminho para o alimento almejado e desconhecido, fiquem de olho neles. Mas cuidado, tudo sem ouvir o lenga-lenga de muitos que querem manipular seus objetivos, pois estes adiram à nova ordem de supervalorizar suas próprias viagens. Ao descrever 'algo mais' jogue limpo, sem floreios retóricos, pois caso contrário vai transformar em pó os sonhos de outros viajantes". Quanta responsabilidade escrever sobre viagens! Ele prossegue: "Eu estava eletrizado para descobrir como era o resto do mundo, atrás da vastidão da Terra e a rica diversidade dos povos, e as viagens foram sempre para mim uma fonte inspiradora". E completa: "Pergunto-me sempre no final se essa viagem fosse um sonho, seria um sonho de quê? No entanto, ao fazer essa pergunta, a exclamação vem rápida, pois ela enriquece a fantasia de um viajante: que surpresa!".
Minha entrada no mundo dos viajantes que não trilham o mesmo caminho também me levou a aprender a não dar as costas à atualidade e às diferenças culturais de cada lugar e assim abrir um 'sendero luminoso' rumo à aventura real. Nós, jornalistas, precisamos olhar essa realidade e mostrar sua verdadeira cara. Um dia, talvez retome esse tema, pois viajar é o que mais preenche minha vida e a encanta. Além disso, a viagem jamais me abandonou. Ah! E agora como ilustrar este artigo? Assim, do mesmo modo que tive a ajuda dos escritores, a artista plástica Reali Servadei completou meu texto com uma demão de tinta, porque imagens também estampam a ação.
Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.